segunda-feira, 30 de junho de 2008



1.
Caatinga
Foto de
Hugo Macedo
2.
Caatinga
Pintura de
Sandra Bianchi


BALAIO PORRETA 1986
n° 2355
Rio, 30 de junho de 2008

Se um homem necessita variar,
sua mulher pode oferecer-lhe infinitas opções.
(Honoré de Balzac)


CAATINGA
Suely Magna Nobre
[ in Substantivo Plural ]

Uma mulher desnuda
Exposta ao sol
Fértil feito terra agreste
Uma mulher frondosa
Feito árvore bisavó
Vestida de plumagens raras
Verdejante prenúncio
De noite sem luar
Intocada no meio da mata
Vivenciando as agruras
Destinadas à aridez
De um solo infértil
Suavizada apenas
Pelo olhar do poeta
Observador astuto
De belezas raras
Soprada em versos
Filigranas de uma
Réstia selvagem
Caatinga enegrecida
Trocando de vestes
Colorindo-se de esperança
Ao gotejo do primeiro
Ensaio de ano bom
Ricas pastagens
Lavouras e aves
De arribação
Coroaram o seu reinado
Embalada pelo som
De um único canário
Anunciando um reisado divino
E à sombra da mata
Da Serra da Cajarana
A mulher desnuda
Banha-se de prazer
Exalando aroma
De terra molhada!


POR ACASO, O OCASO
Alyne Costa
[ in Bragas e Poesia ]

A tarde que cai tem, assim, uma cor de incerteza. Uma chuva de dúvidas desaba e o coração da gente fica quietinho como se houvesse um espinho ou um caquinho de vidro moendo por dentro.
Dá vontade de ouvir canto de lavadeira voltando da bica. Trouxa alva na cabeça, no bolso um pedacinho de anil e na alma uma amendoeira frondosa que faz sombra sobre suas dores.
O menino sobe as escadas e acorda a mãe do devaneio num grito:
"- Mãe! Ô, mãe, vem ver Deus!"
"- Que Deus, menino?"
"- Deus, nosso Deus..."
Os olhos da mãe espreitam para ver melhor o sol a se deitar em róseos tons. O horizonte não tem mar. Ao longe um morro que não sabe o nome. Batiza de "Morro de Nosso Deus". E o morro, o sol, o horizonte, a cor do rosa que reveste o céu são inundados dos sonhos de mãe e filho. Na caatinga é assim. Cor-de-rosa é a cor do sol se pondo. Como se jatos de esperança varressem com anjos as dores que só se sabe de ouvir falar. A caatinga não sai no jornal da capital. A flor da caatinga não sai no jornal da capital. A dor da caatinga não sai no jornal. A fibra do povo da caatinga não sai em jornal. A caatinga não sai. E uma nuvem alva rasga o ocaso como se a miragem do menino desanuviasse a melancolia da mãe que cisma sobre sabedoria e imaginação, terreno fértil em terras de coração inocente. A mãe volta a seu novelo de poesia, querendo dar-se por conta do que perdeu. Entre cética e orgulhosa pensa na cria e julga ouvir aboios alados. Deus a livre de alma penada. O menino volta pra bola e pro jogo de botão. A meninada faz volta na sala, quase obediente. E a noite chega devorando as valas do abismo entre o que podia ter sido e o que será.
A noite galopa em açoites, angústias e medos. A noite assombra o inaudito. Uma quase volúpia da madrugada, a noite palita os dentes. Exaustos do feito e do por fazer, mãe e filho adormecem... Dos sonhos, Deus, nosso Deus toma conta. E uma procissão de candeeiros invade a lua.

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No blogue do
Poema/Processo
Seridoísmos (4): Caicó

domingo, 29 de junho de 2008

Metaplagiando Milton Robeiro
Porque hoje é domingo,
a beleza seridoense de
Liz Rogéria Morais Fernandes,
de São João do Sabugi
Foto de
João Quintino


BALAIO PORRETA 1986
n° 2354
Rio, 29 de junho de 2008


Nos gramados da Suécia, em 1958, a seleção brasileira deslumbrava o mundo esportivo com sua magia e sua beleza encantatória, insuperável até hoje.
(Balaio Porreta)


POEMAS
de
CHACAL
( Ricardo Carvalho )

PAPO DE ÍNDIO
[ in Muito prazer, Ricardo, 1971 ]

veio uns ômi di saia preta
cheiu de caixinha e pó branco
qui eles disserum que si chamava açucri
aí eles falarum e nós fechamu a cara
depois eles arrepitirum e nós fechamu o corpo
aí eles insistirum e nós comemu eles.

UMA PALAVRA
[ in América, 1975 ]

uma
palavra
escrita é uma
palavra não dita é uma
palavra maldita é uma palavra
gravada como gravata que é uma palavra
gaiata como goiaba que é uma palavra gostosa

PRONTO PRA OUTRA
[ in Boca roxa, 1979 ]

gravei seu olhar seu andar
sua voz seu sorriso
você foi embora
e eu vou na papelaria
comprar uma borracha.
COISA
[ in Comício de tudo, 1986 ]

coisa coisinha coisaça
coisa nenhuma coisa nonada
coisa à beça e de montão
coisa coisinha coisão
ENTRE
[ in Letra elétrika, 1994 ]

entre a coisa e o nome, a coisa
entre o vinho e a taça, o vinho
entre a boca e o baton, a boca
entre a mão e a luva, a mão

entre o pé e o salto, o pé

entre a pele e o pano, a pele

entre nós, nada


[ Poemas incluídos in
Belvedere.
São Paulo: Cosac Naify; Rio de Janeiro: 7Letras, 2007, 384p. ]

sábado, 28 de junho de 2008


Jeanne Dielman ...,
de Chantal Akerman,
lançado em 1975,
o ano de
Barry Lyndon (Kubrick)
O passageiro (Antonioni)
A viagem dos comediantes (Angelopoulos)
Salò (Pasolini)


BALAIO PORRETA 1986
n° 2353
Rio, 28 de junho de 2008

... Jeanne Dielman ... um dos filmes mais radicais e corajosos já feitos, com um poder de rigor e precisão impensáveis.
(Marcelo Ikeda)


CINEMA 2008

Os melhores filmes vistos, até o momento

Nos cinemas & centros culturais:

  1. Danação *** (Tarr, 1988)
  2. Tilai ** (Ouedrago, 1990)
  3. O vento ** (Sisé, 1982)
  4. Sangue negro ** (Anderson, 2007)
  5. Serras da desordem ** (André Tonacci, 2007)
  6. 4 meses, 3 semanas, 2 dias ** (Mungiu, 2007)
  7. O sol ** (Sokurov, 2005)
  8. Estômago ** (Marcos Jorge, 2007)
  9. A banda * (Kolirin, 2008)
  10. Onde os fracos não têm vez * (Cohen, 2007)
  11. Antes que o diabo saiba que você está morto * (Lumet, 2007)
  12. SOS Saúde * (Moore, 2007)
  13. Desejo e reparação * (Wright, 2007)
  14. A sociedade do espetáculo * (Debord, 1973)

Em casa:

  1. Jeanne Dielman... *** (Akerman, 1975)
  2. Mãe e filho *** (Sokurov, 1997)
  3. Lições de história *** (Straub & Huillet, 1972)
  4. Vinyl *** (Warhol, 1965)
  5. Dans le noir du temps *** (Godard, 2002), curta
  6. Diaries, notes and sketches ** (Mekas, 1969)
  7. Sarabanda ** (Bergman, 2003)
  8. Velvet Underground & Nico ** (Warhol, 1967)
  9. Diário de uma prostituta ** (Marcelo Ikeda, 2007), curta/vídeo
  10. A carta * (Luiz Rosemberg Filho, 2008), curta/vídeo


O MELHOR FILME, EM MUITOS E MUITOS ANOS

Jeanne Dielman, 23 Quai du Commerce, 1080 Bruxelles (Bélgica/França, 1975), de Chantal Akerman, com Delphine Seyrig.
Uma obra-prima não se constrói fácil, assim como, muitas vezes, não se faz fácil a sua leitura. Um filme como Jeanne Dielman ..., da diretora belga Chantal Akerman, com suas 3:20h em pouquíssimos ambientes cenográficos, é rigoroso exemplo da mais perfeita e ousada (anti)narratividade minimalista: formalmente contidos são os seus planos e enquadramentos, as suas cores interiores, os gestos de seus personagens, a sua trilha sonora (composta, basicamente, de pequenos ruídos e inevitáveis silêncios), a sua ação dramática aparentemente - mas só aparentemente - nula (a lembrar os "tempos mortos" de Antonioni, a tessitura formal de Straub & Huillet, o absurdo temático de corte camusiano). O tédio e o gesto gratuito da mulher (DS) no final são, ao mesmo tempo, perturbadores e sufocantes. O filme em nenhum momento se deixa seduzir; neste particular, aproxima-se de Straub e não de Antonioni. A diretora, com seu rigor exasperante, dilacerado, visceral, faz do cinema a própria especificidade cinematográfica. Por outro lado, seu olhar sobre o mundo pequeno-burguês de uma dona-de-casa viúva, que recorre à prostituição para sobreviver com um mínimo de dignidade possível, é cruel e desencantado. E o final, trágico, até mesmo por seu absurdo, não poderia ser outro. Neste sentido, o último plano do filme, por mais frio e racional que seja (de resto, como os demais planos da obra), carrega, em seu interior, as marcas de uma emoção inesperada, sobretudo porque a tragédia que o contém não estava anunciada nas 3:15h da trama conteudística até aquele momento, lenta e pausadamente construída como se fora a dolorosa engenharia de alguns raros sentimentos não-explicitados. Sem dúvida, um filme para poucos; um filme como poucos.
(Publicado no Balaio, n° 2216, em 26/janeiro/2008.)

sexta-feira, 27 de junho de 2008


Cidades potiguares:
Parelhas,
na região do Seridó

Foto
de
Hugo Macedo


BALAIO PORRETA 1986
n°2352
Rio, 27 de junho de 2008


Não há maior utilidade no pensamento que esta:
aliviar o sofrimento.
(Pablo Capistrano)


LONJURA
Mário César
[ in Tramela ]

a palavra alcança o avesso da carne?


CARTESIANA
Antonio Carlos de Brito
[ in Beijo na Boca ]

daquele amor que nunca tive tenho
saudade ou esperança?


De GOETHE
[ in Máximas e reflexões ]

Na tradução deve ir-se até ao intraduzível: só então nos daremos conta da nação estrangeira e da língua estranha.


De CHICO DOIDO DE CAICÓ

Mais vale uma buceta na mão do que duas na imaginação.

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No blogue do
Poema/Processo
Seridoísmos (1): São José do Seridó
Seridoísmos (2): São João do Sabugi
Seridoísmos (3): Jardim do Seridó
Proximamente
Seridoísmos (4): Caicó
Seridoísmos (5): Acari
Seridoísmos (6): Currais Novos
Seridoísmos (7): Parelhas
Seridóismos (8): Serra Negra do Norte
E assim por diante.

quinta-feira, 26 de junho de 2008


A beleza da angolana Micaela Reis
Foto:
Paulo César
in
Olhares


BALAIO PORRETA 1986
n° 2351
Rio, 26 de junho de 2008

O misticismo é a escolástica do coração,
a dialética do sentimento.
(Goethe)


INVERNO
Carito
[ in Os Poetas Elétricos ]

o sol
ranzinza
acorda tarde
e cinza


RETALHOS
Maria Maria
[ in Espartilho de Eme ]

Linha e agulha:
sinto-me!

Costuro-me, cozinho-me
em zigue-zague.

Sou o próprio retalho,
a emenda, a trama.

Sou a cama, o lençol,
a fronha.

Sou a cocha e o traço:
sinto-me!


A BIBLIOTECA DOS MEUS SONHOS

Construtivismo - Origens e evolução
[1967],
de George Rickey.
São Paulo : Cosac & Naify, 2002, 240p.
De forma crítica e teórica bastante consistente, o Autor introduz o leitor menos avisado no rico universo da arte construtivista, que teria, no decorrer do século XX, significativa influência sobre as mais diversas linguagens abstracionistas, concretas e opcinéticas. O seu legado é mapeado com rigor histórico, abarcando o De Stijl e a Bauhaus, os desdobramentos do pós-segunda guerra e as novas idéias sobre o espaço. Poder-se-á dizer que o construtivismo (ao contrário do dadaísmo, do surrealismo, do neoconcretismo, da tropicália e, em considerável parte, do poema/processo) apostou na matematização das estruturas criativas de suas obras, aparentemente consolidadas como "bens icônicos" e não como "bens simbólicos", a não ser quando vistas como "bens culturais" (o que são, em última instância). No livro, são muitos os exemplos, mais de 260 (reproduzidos em p&b): de Mondrian a Bonfati, de Gabo a Calder, de Malevitch a Max Bill.

quarta-feira, 25 de junho de 2008


Luar do Sertão
Foto
de
Marcelo Valle


BALAIO PORRETA 1986
n° 2350
Rio, 25 de junho de 2008


Na verdade só sabemos quão pouco sabemos
- com o saber cresce a dúvida.

(Goethe)


HAI-CAIS

De
CÁSSIO AMARAL

raio de sol
na página traçada
filtro de luz na madrugada

De
BASHÔ
1650-1722
(Trad. Renata Cordeiro)

Catarata límpida
Nas vagas iluminadas
Lua do estio brilha

De
ISSA
1763-1827
(Trad. Renata Cordeiro)

O mundo é orvalho,
O mundo é orvalho, sim
Mas há um porém...


MÁXIMAS E MÍNIMAS DE NELSON RODRIGUES
[ in O profeta tricolor ]

O Fluminense nasceu com a vocação da eternidade. Tudo pode passar, só o tricolor não passará, jamais.

A morte não exime ninguém dos seus deveres clubísticos.

Meu sentimento clubístico é anterior ao sexo, anterior à memória.

Um time pode jogar descalço, jogar de pé no chão. Só não pode jogar sem alma.

Assim é o ser humano: na hora do palpite errado, não lhe ocorre uma vaga dúvida metafísica.

[][][]

No blogue do
Poema/Processo:
NENSEGRAFIA

terça-feira, 24 de junho de 2008


Como terá sido o São João
em São João do Sabugi,
em pleno
Seridó norte-rio-grandense?


Foto de
Anchieta França
in
À Flor da Terra

Cf.
Seridoísmos
in
Poema/Processo


BALAIO PORRETA 1986
n° 2349
Rio, 24 de junho de 2008

Tudo o que você pode imaginar é real.
(Picasso)


POEMA DE
MÁRCIA MAIA (PE)

noite de são joão

dançar forró agarradinho
com você
e na hora da quadrilha
fingir casar com Luis
namorado de Carminha
tão minha amiga
ela é
mas Luis é tão bonito
de olhos azuis tão lindos
e uma boca tão doce
que não posso resistir

ah, não fique tão zangado
que quando acaba a quadrilha
volto pra aqui, com você
pra dançar xote e xaxado
até o dia amanhecer
pois Luis é desajeitado
pra dançar forró colado
não tem cheiro no cangote
nem beijo na boca
nem corpo colado
nem frio na barriga
só quem tem isso é você

ah, me aperta, vai...

[ in Tábua de Marés ]

segunda-feira, 23 de junho de 2008


Igreja de Sant'Ana
em
Currais Novos (RN)

Foto de
Pedro Morgan


BALAIO PORRETA 1986
n° 2348
Rio, 23 de junho de 2008

Que venha Obama ao encontro de nossas esperanças, tais como o fim da agressão ao Iraque e do bloqueio a Cuba.
(Frei Betto)


DOR DO DESERTO
Maria Maria
[ in Espartilho de Eme ]

Meu chão reclama
a dor do deserto.
Mas não sou o deserto
dessa areia. Ou sou?


DIVAGAÇÕES & PROVOCAÇÕES

[] Tenho meus parâmetros estético-informacionais para avaliar uma obra literária, além do gosto pessoal (com suas inúmeras mediações). No caso da prosa ficcional, são parâmetros que passam pelo solo significante da escrita enquanto textualidade. Na prática, a questão se resolve de maneira bastante simples, se levarmos em consideração que uma "boa história", por melhor que seja, não é suficiente para marcar um bom romance, uma boa novela, um bom conto. É necessário que a pensemos em termos estruturais, mais do que em termos formais. Assim posto, tomemos dois exemplos conhecidos: Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa, e Gabriela, cravo e canela, de Jorge Amado. Por que o primeiro me parece uma obra-prima e o segundo uma obra descartável? Simplesmente porque, no caso de GS:V, seus múltiplos recursos temáticos, estilísticos, verbais e simbólicos não podem ser resumidos, não podem ser reduzidos a uma mera informação conteudística. Impossível condensar uma só de suas páginas, um só de seus segmentos temáticos (o mesmo se diga de Dom Quixote, A educação sentimental, O vermelho e o negro, Ulisses, Dom Casmurro, S. Bernardo, A paixão segundo G.H., e muitos outros). Já o romance de Jorge Amado pode ser tranqüilamente resumido, sem qualquer perda estético-informacional. A rigor, poder-se-ia reduzi-lo, digamos, a 140 ou 160 páginas, sem o menor problema.

[] Machado de Assis ou Guimarães Rosa? A enquete realizada pelo suplemento Mais!, na Folha de ontem, revela-se frágil e cabotina. Embora possamos ter nossas preferências pessoais (e eu as tenho: na literatura, no cinema, nos quadrinhos, na música, no teatro, nas artes), cumpre ficar com os dois. Assim como me parece literariamente saudável ficar, em termos preferenciais, com Thomas Mann e Kafka, Graciliano Ramos e Clarice Lispector, ou, em poesia, com Murilo Mendes e João Cabral de Melo Neto. Nada mais ridícula, por exemplo, do que a opinião de um tal de Abel Barros Baptista, professor lisboeta: "Machado de Assis é muitíssimo superior a Guimarães Rosa, e dou pra isso razão fortérrima: o próprio Rosa o reconheceu". Há opiniões sensatas, claro. Como a de Walnice Nogueira Galvão, professora da USP: "Estão confundindo literatura com futebol: quem é o melhor, o Santos ou o Flamengo?". Ou a de Eduardo Gianetti, economista e professor: "Machado disseca, Rosa fabula. Metade de mim pondera, metade de mim oscila. ... Por temperamento e afinidade anglo-analítica, tendo a preferir Machado; mas por encanto e feitiço teuto-dialético, inclino-me ao mistério de Rosa". Leia-se de igual modo a resposta de Antonio Candido, ensaísta, crítico e professor: "Uma das coisas que mais enriquecem a literatura brasileira é o fato de haver nela dois escritores tão grandes, mas tão polarmente opostos quanto o parcimonioso Machado de Assis e o derramado Guimarães Rosa".

domingo, 22 de junho de 2008




A pin-up
dos anos 20/30
do século passado
segundo

Mabel Rollins Harris
(1 e 3)
e Rolf Armstrong
(2)


BALAIO PORRETA 1986
n° 2347

Rio, 22 de junho de 2008


O pior tipo de provincianismo é o do cosmopolista.
(
Marconi Leal)


MINITEXTOS
Mário Quintana

[ in
A vaca e o hipogrifo ]

Intérpretes
Mas, afinal, para que interpretar um poema? Um poema já é uma interpretação.


Leituras secretas

No Céu, os Anjos do Senhor lêem poemas às esondidas... Os livros de poemas são os livros pornográficos dos anjos.


Ingenuidade

Mas que monótona não deveria ser a vida amorosa de Don Juan! Ele pensava que todas as mulheres eram iguais...



Memória 1978

OS DEZ CONTOS
MAIS IMPOPORTANTES
DA LITERATURA MUNDIAL

[ in
Revista de Cultura Vozes, set. 1978 ]

Na opinião de
Antônio Torres - BA/RJ [Romancista]
1.
O alienista (Machado de Assis)
2.
A hora e vez de Augusto Matraga (Guimarães Rosa)
3.
Folhas vermelhas (Faulkner)
4.
Uma rosa para Emily (Faulkner)
5.
A curta e feliz existência de Francis Macomber (Hemingway)
6.
O fim (Borges)
7.
O homem da esquina rosada (Borges)
8.
Balada do café triste (McCullers)
9.
O perseguidor (Cortázar)
10.
Babilônia revisitada (Fitzgerald)
Na opinião de
Benedito Nunes
- PA [Ensaísta]
1.
A lenda de São Julião, o hospitaleiro (Flaubert)
2.
Olhos mortos de sono (Tchecov)
3.
A morte de um cavalo (Tolstói)
4. Cocorico! (Melville)
5.
Cantiga de esponsais (Machado de Assis)
6. Casa tomada (Cortázar)
7.
O grande passeio (Clarice Lispector)
8.
Turpid smoke (Nabokov)
9.
The chinago (London)
10.
A terceira margem do rio (Guimarães Rosa)


A BIBLIOTECA DOS MEUS SONHOS

The pin-up; a modest history [1972],
de Mark Gabor.

Köln , New York : Taschen , Evergreen, 1996, 274p.

Heroínas das telas (Sophia Loren, Raquel Welch, Jane Fonda), através de fotos. Heróinas de calendários para homens e reproduções de capas de revistas masculinas (ou não), através de ilustrações. Cartazes de espetáculos e/ou de produtos comerciais, através das mais variadas formas gráficas. Eis, aqui, neste álbum/livro, todo o universo gráfico-imaginário voltado, basicamente, para o mundo dos homens, moldado, muitas vezes, por uma sensualidade entre a pureza e a ingenuidade. Uma seleção de dezenas e dezenas de "mulheres de papel", ora com olhares lânguidos, ora com olhares misteriosos, ora com olhares supostamente inocentes. De qualquer modo, quase sempe provocativos. A destacar, entre os muitos ilustradores, o nome de Rolf Armstrtong (1889-1960). Mas há outros nomes expressivos, com o seu lado
kitsch-sonhador, como o de Mabel Rollins Harris. Não poderia faltar, claro, os cartazes de Alphonse Mucha, criados no final do século XIX. Enfim, uma festa para os olhos.

sábado, 21 de junho de 2008


O mágico de Oz,
de Victor Fleming,
lançado em 1939,
o ano de
A regra do jogo (Renoir)
A mocidade de Lincoln (Ford),
No tempo das diligências (Ford)
O morro do ventos uivantes (Wyler)
Trágico amanhecer (Carné)
Paraíso infernal (Hawks)
Finnegan's wake (Joyce).



BALAIO PORRETA 1986
n° 2346
Rio, 21 de junho de 2000


O mágico de Oz tem uma maravilhosa faceta de comédia e música, efeitos especiais com excitamento e gória ...
(Roger Ebert)

sexta-feira, 20 de junho de 2008


Imagem:
Nossos Olhares


BALAIO PORRETA 2345
n° 2345
Rio, 20 de junho de 2008

Sem erotismo não existe vida. ...
O erotismo é uma condição essencial
à condição humana
e tão respeitável como outra qualquer.
(Carlos Drummond de Andrade)


ESTAÇÕES
Cacaso
[ in Beijo na boca, 1975 ]

Do corpo do meu amor
exala um cheiro bem forte.

Será a primavera nascendo?


NEM TÃO ZEN QUE NÃO POSSA SER PASSIONAL,
NEM NÃO PASSIONAL QUE NÃO POSSA SER ZEN
Sandra Camurça

[ in O Refúgio ]

a Matsuo Bashô

esqueço o tempo
banananeira balança
com o vento
a Vladimir Maiakóvsky

nas revoluções ou nas paixões
(não importa)
reviro-me pelo avesso
e sou toda buceta


HAPPY END
Cacaso
[ in Beijo na boca ]

o meu amor e eu
nascemos um para o outro

agora só falta quem nos apresente

quarta-feira, 18 de junho de 2008


Cyd Charisse
(1921-2008),
em
A roda da fortuna
(Minnelli, 1953)


BALAIO PORRETA 1986
n° 2344
Rio, 18 de junho de 2008


Aquela Cyd! Quando você dançava com ela,
você se mantinha dançando.

(Fred Astaire)


AS NOITES FRIAS
Adelaide Amorim
[ in Inscrições ]

é fria a solidão que me desbasta
puxo o edredom
porquanto a noite é vasta


ATENÇÃO:
Fotos de Cyd Charisse,
"as mais belas pernas do cinema",
segundo muitos e muitos cinéfilos,
in
Glove Gallery

terça-feira, 17 de junho de 2008


Cidades paraibanas:
BANANEIRAS

Foto de
Lisbeth Lima
in
Flor de Craibeira


BALAIO PORRETA
n° 2343
Rio, 17 de junho de 2008


Em teu corpo pousarei
como um pássaro faminto
(Bené Chaves)


POEMA
de
Sandra Camurça
[ in O Refúgio ]

se me rasgo inteira
de paixão e véu
sou delírio
sangrando mel


INFLEXÍVEL
Mariza Lourenço

[ in Blocos ]

às vezes meu corpo despenca
no imaginário de teus versos.

de resto continuo cumprindo a mesma rotina
de cerrar portas e janelas
à aproximação de qualquer rima.



BELVEDERE

Lívio Oliveira


Deixa que ainda reste

de teu corpo

um pedaço, uma nua parte

para que o meu olhar passeie

e se encontre, no infinito,

com o sonho destituído

da memória.


Deixa que eu acorde sobre

o teu pálido umbigo oscilante

e me firme, cedo,

em tuas ancas,

desvelando o sentido

único

do encontro inusitado

na noite densa.


Deixa que tuas mãos

me destinem a melhor

carícia

e não seja a última

e que se possa,

definitivamente,

em dolce far niente,

entre teus seios,

entre teus lábios,

inaugurar meu dia

segunda-feira, 16 de junho de 2008


Graffiti da Mona Lisa
em Bristol, Reino Unido
in
Blog da Rua Nove


BALAIO PORRETA 1986
n° 2342
Rio, 16 de junho de 2008


Heresia é apenas um outro nome para
liberdade de pensamento.

(Graham Greene)


RELEMBRANDO UM GRANDE JOGADOR
Moacy Cirne
[ in Balaio, n° 1314, 14/9/2000 ]

Os apreciadores do bom futebol sempre admiraram o estilo elegante e encantatório de Zizinho, o grande craque dos anos 40 e 50. Muitos o consideram, inclusive, um dos maiores jogadores da história do futebol brasileiro, ao lado de um Pelé, de um Garrincha, de um Nilton Santos. Sua técnica impecável fazia qualquer torcida delirar com seus passes mágicos e seus dribles embriagadores. Era um jogador clássico, um jogador que sabia ser clássico.

O que pouca gente sabe, contudo, é que Zizinho - além de ter brilhado no Flamengo, no Bangu e no São Paulo - também defendeu as cores do Fluminense, e o fez, mais precisamente, em 1956. E assim um sonho - um certo sonho - se transformava em realidade. O Fluminense, que já contava com Castilho, Didi e Telê, entre outros ídolos, passava a contar com o mestre Ziza.

Exímio batedor de faltas, Zizinho fez vários e vários golaços para os tricolores, conquistando vitórias e mais vitórias até hoje lembradas com emoção por mim. Baixinho, em apenas três jogadas bailava como uma pluma suavemente mágica em direção ao gol adversário, empolgando o torcedor mais sensível, mesmo que fosse flamenguista, botafoguense, vascaíno. Preciso e precioso, parecia flutuar no campo de jogo, santificando a redondice de seu universo plasmado em matéria, alma e coração.

Lembro-me muito bem: o seu passe - ao se transferir para o Nense - custou uma pequena fortuna para os padrões da época: 10 contos de réis, até então a mais cara transação financeira no mundo juvenil do futebol-de-botão na distante Caicó dos anos 50. Mas valeu a pena; jogando pelo Fluminense, Zizinho, produzido em casca de coco de pele macia, polido com esmero artesanal, me deu muitas e muitas alegrias. Sem dúvida, foi o maior jogador de futebol-de-botão de todos os tempos em Caicó. Ou mesmo no Seridó.

Quando a minha família se mudou para Natal, em 1957, aposentei-o. Rubro-negros, alvinegros, cruzmaltinos e americanos que me desculpem pela ousadia: uma relíquia como aquela, à altura dos melhores sonhos, só poderia terminar sua imortal carreira de goleador nas mesas de futebol-de-botão jogando pelo Fluminense - o meu Fluminense.


E POR FALAR EM FUTEBOL...

Paraguai (com méritos), 2;
Seleção estrangeira do Brasil (ridícula), 0.

domingo, 15 de junho de 2008


Um postal
e o amor à moda antiga

in
CopacabAna de Toledo


BALAIO PORRETA 1986
nº 2341
Rio, 15 de junho de 2008

Na falta de pérolas
jogo palavras aos porcos
(Ada Lima)


POEMA DE IRACEMA MACEDO (RN)

Ardor

Um oceano inteiro não basta
para calar no meu peito
este murmúrio
de tantas formas de ardor
tantas formas de estar banida e só
e não há terra ou chuva
que arrefeça
esta porção de mim
que trago cálida
esta porção de mim
que trago presa
este meu coração cheio de vespas

[ in Lance de dardos, 2000 ]


POEMA DE CHICO DOIDO DE CAICÓ (RN)

Suave como um tanque de guerra
Delicado como um fuzil morteiro
Doce como uma bala perdida
O machão nada respeita:
Não respeita a puta
Não respeita o padre
Não respeita o coronel
Respeita apenas o seu traseiro.

O machão adora ser enrabado.


POEMA
de TANUSSI CARDOSO
(RJ)

Da paz das borboletas
para Márcio

Moram em mim animais bravios.
Perigosos, eriçam os pelos
rangem os dentes
emitem urros
por qualquer hora ou motivo.
Mas dormem em mim, tranqüilos
quando lhes conto das borboletas
pousadas sobre os vitrais noturnos

[ in Viagem em torno de ]


MAIS POESIA PARA UM DIA DE DOMINGO

metamorfose

de NEL MEIRELLES (PE/RJ)

tornei-me homem
pela primeira vez
de novo
quando meus olhos
ouviram dos teus olhos
o silêncio
indefinido do querer

[ in Fala Poética ]

sábado, 14 de junho de 2008


Cantando na chuva,
de Stanley Donen & Gene Kelly,
lançado em 1952,
o ano de
A carruagem de ouro (Renoir)
Othello (Welles)
Depois do vendaval (Ford)
Viver (Kurosawa)
A vida de O'Haru (Mizoguchi)
Matar ou morrer (Zinnemann)
Umberto D (De Sica)
Assim estava escrito (Minnelli)
O velho e o mar (Hemingway)
Cidade (Simak)
Invenção de Orfeu (Jorge de Lima)


BALAIO PORRETA 1986
nº 2340
Rio, 14 de junho de 2008

Consagrado como o maior de todos os musicais, havendo mesmo quem o distinga como um dos filmes mais criativos da história do cinema, seu prestígio nessa escala não se impôs de imediato. Foram necessárias mais ou menos duas décadas para que todos se dessem conta que nunca houve um espetáculo de dança, música e humor tão sugestivo, alegre e inspirado como Cantando na chuva.
(Sérgio Augusto)


CAIXA DE HAI-KAI
Seleção de
Carlos Seabra

festa no bordel
só começa ao chegar
o coronel
(Carlos Seabra)

guardo
roupas de inverno
e o calor que não tive
(Ricardo Portugal)

No mar arrepiado
desse teu corpo moreno
naufrago feliz
(Evandro Moreira)

vôo de borboletra
do mundo das coisas
pro mundo das letras
(Alexandre Brito)

velha a fiar
e vem Humberto Mauro
para a filmar
(Carlos Seabra)

Nota:
Velha a fiar, de 1964,
talvez seja o curta mais famoso de
Humberto Mauro.

RECOMENDAMOS
o suplemento Prosa & Verso, do jornal O Globo, de hoje, totalmente dedicado ao centenário da morte de Machado de Assis. Com artigos de Silviano Santiago, Lygia Fagundes Telles, José Castello e Renato Cordeiro Gomes, além de entrevistas com Roberto Schwarz e outros.

sexta-feira, 13 de junho de 2008

O Capitão Ahab,
na visão de
Rockwell Kent,
em edição americana do
Moby Dick
nos anos 30 do século passado,
ilustração reproduzida na edição brasileira
da José Olympio (1º vol., p.355)


BALAIO PORRETA 1986
n° 2339
Rio, 13 de junho de 2008


Se me perguntassem qual foi o livro que mais me marcou os primeiros anos de leitura, eu responderia sem hesitar que esse livro foi Moby Dick, a história da baleia branca também chamada a Fera do Mar. ... E até hoje, passado tanto tempo, quando a maioria das leituras de meninice perdeu o seu encanto, e até Jules Verne se relê com certo tédio, Moby Dick mantém a sua singular capacidade de ser "redescoberto" a cada releitura, sempre mais fascinante, misterioso e terrível.
(Rachel de Queiroz)


A BIBLIOTECA DOS MEUS SONHOS

Moby Dick [1851], de Herman Melville.
Se fôssemos apontar os 10 ou 12 maiores monumentos literários de todos os tempos, decerto não deixaríamos de lado o romance de Melville. A paulistana CosacNaify, por sinal, acaba de lançar bela edição do livro, em 656p., com tradução de Irene Hirsch e Alexandre Barbosa de Souza, e 15 ilustrações de Hare Lanz, uma delas, a da capa, a partir de gravura de Barry Moser, de 1979. Mas, apesar da cuidadosa fortuna crítica, e do seu estimulante aparato gráfico, ainda preferimos a sóbria edição da José Olympio, de 1957, em 2vol., totalizando 896p., com tradução de Berenice Xavier e prefácio de Rachel de Queiroz, onde se destacam as 266 ilustrações irretocáveis de Rockwell Kent, além de 14 desenhos de Poty.

Outras considerações se impõem: a leitura de um texto estrangeiro (ficcional, poético, ensaístico, filosófico) tem que levar em conta a tradução. No caso ficcional e/ou poético, a sua capacidade de recriar o original, tendo em vista as múltiplas particularidades lingüísticas e culturais do objeto traduzido, além de sua contextualização e, claro, da nossa especificidade literária e sociocultural. Como exemplo, e sem nenhum juízo valorativo, tomemos um dos momentos capitais de Moby Dick: o surgimento em cena do Capitão Ahab.

No original:
It was one of those less lowering, but still grey and gloomy enough mornings of the transition, ... Reality outran apprehensions; Captain Ahab stood upon his quarter-deck.// There seemed no sign of common bodily illness about him, nor of the recovery from any. ... or taking away one particle from their compacted aged robustness. (Barnes & Noble Classics, 2003, p.158)

Segundo Berenice Xavier:
Foi numa dessas manhãs de transição, menos encoberta, mas ainda bastante cinzenta e triste, que, ao subir ao convés, ao apelo da guarda do meio-dia, enquanto o navio cortava as águas com um vento fresco e com uma espécie de rapidez vingativa, saltitante e melancólica, dirigi o olhar para a amurada e senti um calafrio. A realidade ia além da apreensão; o Capitão Acab estava no convés.// Não havia nele indício algum de qualquer enfermidade corporal, nem também de convalescença. Parecia um homem que tivesse sido retirado de um poste, depois de ter o fogo corrido em vão todos os seus membros, sem os consumir ou levar uma partícula sequer da sua compacta robustez anosa. (José Olympio, 1957, p.222)

Segundo Hirsch & Souza:
Foi numa dessas manhãs de transição, menos ameaçadora, mas ainda cinzenta e escura, com um vento favorável e o navio cortando a água como que com saltos vingativos e rapidez melancólica, que eu subi ao convés para o turno da vigília matinal, e, ao levantar os olhos para as grades da popa, senti calafrios agourentos percorrendo meu corpo. A realidade tinha superado a apreensão; o Capitão Ahab estava em seu tombadilho.// Não se percebia nele nenhum sinal de enfermidade física comum, e nem de convalescença. Tinha o aspecto de um homem retirado da fogueira, depois de o fogo devastar todos os membros, sem os haver consumido, nem eliminado uma só partícula de sua compacta e velha força. (CosacNaify, 2008, p.141-1)

Só para completar, eis o final, com suas aliterações, antes do epílogo.
No original:
Now small fowls flew screaming over the yet yawning gulf; a sullen white surf beat against its steep sides; then all collapsed, and the great shroud of the sea rolled on as it rolled five thousand years ago. (p.654)

Na edição da José Olympio:
Pequenos pássaros voavam, gritando sobre o último bocejo da voragem, uma tétrica espuma bateu de encontro aos costados empinados e logo tudo se acalmou, e a grande mortalha do mar continuou a ondular, com a sua ondulação imutável, a mesma de há cinco mil anos. (p.892)

Na CosacNaify:
Pequenas aves voavam agora gritando sobre o golfo ainda escancarado; uma rebentação branca se abateu contra os seus lados íngremes; e então tudo desabou e o grande sudário do mar voltou a rolar como rolava há cinco mil anos. (p.591)